Uma controvérsia envolvendo o projeto Inmetro na Palma da Mão — desenvolvido em parceria entre o Inmetro e a Casa da Moeda do Brasil — chegou à Justiça e a órgãos de controle, com denúncias de favorecimento à empresa suíça Sicpa
Representações foram protocoladas na Controladoria-Geral da União (CGU) e no Tribunal de Contas da União (TCU), além de pelo menos 15 ações na Justiça Federal movidas por empresas de diversos setores impactados pela Portaria nº 314/2025, publicada pelo Inmetro em 30 de maio. As ações questionam a legalidade do projeto, que visa permitir que consumidores verifiquem a autenticidade de produtos certificados por meio de selos com QR Codes e tintas de segurança.
As empresas que ingressaram com ações judiciais apontam pelo menos cinco ilegalidades, incluindo a criação de um monopólio e favorecimento indireto à Sicpa, detentora de patentes e única fabricante mundial das tintas exigidas na especificação técnica dos selos. Segundo os autores das ações, isso limita a concorrência e evidencia um possível direcionamento no projeto.
Outro ponto levantado pelas empresas é o aumento de mais de 200% no custo dos selos. Elas afirmam que não há justificativa técnica para o uso exclusivo das tintas patenteadas, alegando que há alternativas mais baratas e igualmente eficazes no mercado. Argumentam ainda que nem documentos de alta segurança, como o passaporte brasileiro — também produzido pela Casa da Moeda — utilizam a tinta polarizável Sicpa Oasis®️, exigida no projeto.

Todas as ações mencionam o histórico de investigações e escândalos de corrupção envolvendo a empresa suíça. Um dos autores de mandados de segurança e petições no caso, o advogado Paulo Roberto de Morais Almeida, especializado em Gestão de Políticas Públicas, conversou com o portal e comentou os desdobramentos da disputa.
Portal da Economia - Por que as empresas de impressão de segurança levaram para a Justiça Federal a questão do selo de conformidade instituído pelo Inmetro na Palma da Mão?
Paulo Roberto - A introdução de especificações restritivas para a confecção dos selos de conformidade do Inmetro restringiu sua produção unicamente à Casa da Moeda e ao uso de uma tecnologia cuja única detentora da patente é uma empresa originária da Suíça, que inclusive já celebrou acordo de leniência com a Controladoria-Geral da União. Esse direcionamento da contratação resultou em um aumento da ordem de 240% sobre o custo dos selos conformidade - que antes eram comercializados por R$0,22 em média e que agora têm alcançado preços na ordem de R$0,70.
O setor entende que não há justificativa técnica apta a embasar a opção pela solução mais dispendiosa, e que a exclusividade conferida à Casa da Moeda configura intervenção direta no domínio econômico que viola o direito à livre concorrência. É preciso deixar claro que o setor apoia a regulamentação técnica, a desburocratização dos procedimentos, e a fiscalização que garanta a qualidade dos equipamentos e a segurança dos consumidores.
Os selos de conformidade sempre existiram, com elementos de segurança adequados, rastreáveis e confiáveis, e a inovação determinada pela Portaria nada agrega à segurança e confiabilidade do produto que não pudesse ser alcançado por outras soluções igualmente disponíveis no mercado.
Portal da Economia - Qual a expectativa do setor em relação à decisão da Justiça? Já há decisões, qual o teor delas?
Paulo Roberto -A Portaria 314/2025 vem sendo enfrentada por meio de ações judiciais que visam primeiramente buscar a suspensão liminar de seus efeitos e, no mérito, a revisão das especificações restritivas e do monopólio. Dada a complexidade da questão, as primeiras decisões vêm acolhendo os argumentos no sentido de dar prosseguimento às ações e determinar ao Inmetro que preste informações sobre a Portaria e os estudos que a embasaram, sem proferir decisão de mérito.
Portal da Economia - Qual a intenção das empresas com essa pressão judicial: abrir um canal de negociação ou suspender o projeto?
Paulo Roberto - Não se trata de pressão judicial nem de tentativa de constranger o Inmetro ou a Casa da Moeda, mas sim da necessidade de fazer valer os princípios da livre concorrência e do livre exercício da atividade econômica. A via judicial é sempre o último recurso, mas como as empresas não foram ouvidas pelo Inmetro e suas razões não foram ponderadas, as empresas não tiveram opção ante a súbita elevação de custos e o desarranjo das cadeias de produção decorrentes da Portaria que na prática instituiu um monopólio no setor. Na verdade, já não se trata mais de um projeto, mas de uma Portaria que já está em vigor desde maio e que, em seu zelo pela regulamentação da segurança, está gerando custos e distorções importantes no segmento. Isso posto, é importante ressaltar que o canal de negociações jamais esteve fechado por parte das empresas do setor, que sempre procuraram participar de boa-fé na fase das audiências públicas, e foi com surpresa que receberam a publicação da Portaria 314/2025, impondo de forma imediata a nova normatização sem atentar ou ao menos responder qualquer das contribuições apresentadas.
Portal da Economia - Se mantida como está a portaria do Inmetro quais as consequências?
Paulo Roberto - As consequência já estão acontecendo desde a edição da portaria, e pode ser resumidas brevemente em: - instituição de monopólio em favor da Casa da Moeda e da empresa suíça SICPA, única detentora da patente da tecnologia de segurança imposta; - aumento dos custos para obtenção dos selos de conformidade - neste primeiro momento, na ordem de 240% - com repercussão ao longo de toda a cadeia de produção e comercialização de equipamentos de segurança e combate a incêndio, com inevitável repasse para os clientes - mudança da estrutura de custos e do fluxo de produção e distribuição dos itens, com possível inviabilização de continuidade, especialmente para as empresas e comerciantes de menor porte, que já operam com margens extremamente reduzidas, no limite da operacionalidade - possível desestruturação do mercado, com entrada de concorrentes do exterior, muitas vezes com dumping, afastando a competitividade nacional das empresas nacionais no setor.
Portal da Economia - Pode falar um pouco deste setor e sua importância para a economia?
Paulo Roberto - Segundo estimativas até conservadoras, o setor de equipamentos de segurança e combate a incêndio no Brasil movimenta anualmente cerca de R$ 3 bilhões de reais (incluindo a comercialização de equipamentos essenciais, como sprinklers, alarmes, detectores de fumaça, hidrantes, portas corta-fogo, sistemas de supressão de incêndio, entre outros) gerando empregos diretos e indiretos compatíveis com essa grandeza. Grande parte do segmento é constituída por empresas nacionais de pequeno e médio porte - que vem a ser justamente as mais atingidas pelos efeitos da Portaria do Inmetro. Se o valor movimentado anualmente dá uma ideia do impacto do acréscimo do potencial arrecadatório em favor do único fornecedor e da detentora da patente, não se deve perder de vista a importância estratégica do setor: seu produto final é a segurança das pessoas e do patrimônio, e é elemento insubstituível ante a realidade atual de expansão da construção civil, com crescimento imobiliário e de grandes empreendimentos; segurança nas indústrias, escritórios e data centers; adequação às rigorosas exigências de prevenção e combate a incêndios.
Fonte: Portal da Economia