Pode parecer precoce tratar deste assunto porque ainda estamos a 17 meses das eleições gerais de 2026. Em outubro do próximo ano, 158 milhões de eleitores serão convocados a cumprir suas obrigações cívico-eleitorais votando para eleger o presidente da República, o vice-presidente, os 27 governadores (e seus vices) dos estados e do Distrito Federal, 81 senadores, 162 suplentes de senador, 513 deputados – ou 527, se aprovado no Congresso o projeto em tramitação para o aumento de cadeiras -, e 1.059 deputados estaduais.
Nesse imenso colégio eleitoral brasileiro, destaca-se o fato de que em apenas quatro estados – São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia – concentra-se quase metade (48,5%) do total de eleitores do país. Nas 10 capitais mais populosas vivem 16,5% dos eleitores. No pleito de 2022, foi registrado o maior índice de abstenção desde 1998, com 32.770.982 de eleitores que não compareceram às urnas. Somados aos votos brancos e nulos, 37.180.000 eleitores deixaram de escolher candidato no primeiro turno, o equivalente a 25,36% dos cidadãos com direito a voto. O cenário se repetiu no segundo turno, quando não compareceram, votaram em branco ou anularam o voto 37,9 milhões de eleitores. Mais de um quarto dos eleitores rejeitaram os candidatos ao não comparecerem as urnas ou anularem seus votos, o resultado do 2º turno de 50,90% versus 49,10% é o retrato da divisão do país e da insatisfação dos eleitores com os candidatos e a classe politica.
Temos ainda quase um ano e meio pela frente até o próximo pleito, mas é inevitável notar que já está se iniciando o período de massificação da propaganda e publicidade dos governos, com inserção na televisão e demais mídias de peças mostrando realizações – nem sempre verdadeiras – e abrindo a ‘caixa de bondades’ – com medidas muitas vezes repetidas e, não raro, requentadas porque não cumpridas.
Essa propaganda disfarçada de prestação de contas, altamente custosas e pagas com o dinheiro dos contribuintes, retratam o Brasil quase como um paraíso, um país em que gostaríamos de viver, porém muito distante da realidade da nação onde habitamos, marcada por corrupção, violência – somos o país recordista em homicídios – e profundas desigualdades regionais, sociais, raciais e educacionais.
Para melhorar a imagem do governo, escalam-se as estatais, conforme mostrou o jornal Folha de S. Paulo, edição de 25 de maio de 2025. As seis maiores empresas públicas do país – Petrobras, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Correios e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - destinaram quase R$ 1 bilhão para patrocínios em 2024, valor que deverá ser superado quando fechar o ano de 2025. A título de comparação, esse montante seria suficiente para custear a inclusão de 7.200 novas familias nos benefícios do Bolsa-Família durante um ano. Não obstante tudo isso e os expressivos valores despendidos, as pesquisas do último dia 30 de maio (Atlas-Intel/Bloomberg) mostraram o nível de reprovação de 53,7% (e pior, crescente) do presidente e do seu governo, revelando também que o brasileiro vê a corrupção como o maior problema nacional.
É ainda mais estarrecedor constatar que algumas dessas empresas registraram prejuízos expressivos ou grave redução nos lucros. Tem-se, portanto, evidente desrespeito com o dinheiro dos tributos e verdadeiro escárnio à sociedade, em especial, aos 31,8% de brasileiros que sobrevivem com renda inferior a R$ 469,00/mês, em situação de pobreza e extrema pobreza.
Assistimos, já a partir de agora, todo tipo de esforço dos candidatos vitoriosos no pleito passado em busca da reeleição (o maior câncer do sistema político brasileiro) para atrair os votos dos 158 milhões de eleitores com promessas novas ou requentadas, e muito cuidado para esconder o que foi proposto e não cumprido.
O jornalista e escritor Ivan Lessa (1935-2012) dizia que “de 15 em 15 anos o Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos”. Estava certo, mas poderia também ter dito que de 4 em 4 anos o eleitor esquece o que aconteceu nos últimos 4 anos. Em 2022, por exemplo, a candidatura vencedora prometeu na campanha priorizar a união de todos os brasileiros; fazer um governo de unificação e pacificação nacional, e governar para todos os cidadãos. Passada mais da metade do mandato, o que se vê é o Brasil ainda dividido, com os gabinetes do ódio ativos como nunca. O país vive uma censura disfarçada, mas ainda censura, de liberdade política e de expressão, com encarcerados que se assemelham muito a presos políticos.
Permeia na sociedade o medo de divergir publicamente dos poderosos, e com isso a alegria tão característica do brasileiro vai aos poucos se esvaindo. A sensação cada vez mais nítida é a de que não vivemos no Brasil que queremos e merecemos.
A mesma campanha vitoriosa à presidência da República em 2022 afirmou aos eleitores que não aumentaria a carga tributária nem criaria novos impostos. Ficou tudo na promessa. Foi feita a reforma tributária, alardeada como a mais importante medida saneadora das últimas décadas, elogiada e aplaudida, cujo efeito, já se sabe, foi a produção da tributação diferenciada por classes. Os setores que atuaram com lobbies mais eficientes terão significativa redução na tributação. Já outras classes, sem o mesmo poder de influência, pagarão tributos muito mais elevados.
Trocando em miúdos: para os não aquinhoados com privilégios a tributação sobre consumo terá alíquota geral da ordem de 27% a 28,5% do valor do bem ou mercadoria. É a maior alíquota do mundo, e bem diferente do que foi prometido.
Além disso, a reforma tributária criou um novo imposto, seletivo, a incidir sobre tudo o que for nocivo à saúde e ao meio ambiente. Para ser mais palatável à sociedade, ganhou o simpático apelido de “Imposto do Bem”. E como se não bastasse, também foi criado um Imposto de Renda de 15% sobre os lucros obtidos nas empresas offshores, independentemente da pessoa jurídica ter ou não distribuído seus lucros aos cotistas ou acionistas. Assim, passaram a taxar não mais as empresas (como acontece internamente), mas sim, os seus acionistas, ou cotistas, pessoas físicas (o que não acontece aqui no Brasil).
O apetite arrecadatório, entretanto, ainda não foi saciado. Para tapar o buraco dos déficits governamentais e, sobretudo, para gerar um colchão de R$ 40 bilhões/ano para 2026, visando custear benesses em ano eleitoral, acaba de ser elevado o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), gerando aumento de custos das empresas e mais ônus para as pessoas fisicas. Esse aumento provavelmente substituirá uma nova elevação da taxa Selic do Banco Central, porém não com um aumento de 0,25 p.p. ou 0,50 pp, mas sim de 3,00% ou até 5,00%.
Nada justifica esse aumento, pois o IOF sempre teve caráter regulatório e não arrecadatório, daí não necessitar de aprovação do Congresso Nacional nem respeitar o princípio da anterioridade anual, e por isso sua utilização deve ser sempre comedida para fazer política fiscal, pois entra em vigor no dia seguinte de sua publicação. Ainda precisa ser ressaltado que a União silencia sobre a disponibilidade que terá da ordem de R$ 10 a R$ 15 bilhões de receita relativa aos leilões do pré-sal, previstos para o segundo semestre, reforçando o colchão para gastança eleitoral. Em curto prazo, as incidências poderão ainda ser ampliadas e, quem sabe, fazer do IOF o herdeiro da malfadada CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) que o Congresso enterrou em 2007, contra a vontade do governo.
Também foi extinto o Regime de Lucro Presumido e o resultado deverá ser o aumento expressivo de tributos incidentes sobre serviços profissionais e venda de lotes populares, encarecendo a compra da casa própria, sonho de grande parte da população. Os números não mentem: a carga tributária já aumentou muito em apenas dois anos e deverá se aproximar de 34% a 35% do Produto Interno Bruto (PIB), um nível absurdo.
A promessa (repetida) foi a de acabar com a miséria e a pobreza e de reduzir as inaceitáveis desigualdades sociais e, no entanto, temos 9,5 milhões de brasileiros – ou 4,4% da população nacional – ainda vivendo na pobreza absoluta, com renda mensal inferior a R$ 209,00 (US$ 1,20/dia), apenas 14% do salário-mínimo. E outros 59 milhões de pessoas permanecem na pobreza - o correspondente a 27,5% dos habitantes da nação -, com renda de R$ 469,00 por mês (US$ 2,80/dia), ou seja, 30% do salário-mínimo. É muito grave termos quase um terço (31,80%) de brasileiros em lares onde reina a pobreza.
É fato que houve redução do nível de pobreza, graças a programas de transferência de renda como o Bolsa-Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e ao aumento do número de empregos formais. Incoerentemente, porém, o governo não corrigiu o valor dos benefícios desses programas pelo índice inflacionário. Como a inflação em 2024 foi de 4,84%, os beneficiários deixaram de receber R$ 40,00 por mês a mais, o que significa menos comida na mesa. Não é exagero imaginar que o reajuste somente acontecerá no ano eleitoral, prática corriqueira que precisa ser banida do país.
A propaganda do governo é forte e esconde também outra maldade praticada contra os brasileiros mais necessitados por meio da alteração da fórmula de cálculo de reajuste do salário-mínimo, introduzida pela lei 15.077 de 27.12.2024, no apagar das luzes quando todos estavam em suas comemorações de final de ano. Pela fórmula anterior, o salário-mínimo seria de R$ 1.530,88 em 2025, mas com a mudança acabou fixado em R$ 1.518,00. Ou seja, R$ 12,88 a menos, o que significa perda de R$ 167,44 ao ano. Para 2026, a previsão é de que o salário-mínimo seja fixado em R$ 1.637,00 em razão da nova fórmula. Pelo cálculo antigo, seria de R$ 1.665,23. Isto é, o trabalhador deixará de ganhar R$ 28,37 ao mês, ou R$ 368,81 no ano.
A alteração da fórmula do reajuste também acarretará perda de R$ 12,88 ao mês no BPC, em 2025. No ano, serão R$ 154,56 a menos. Em 2026, a perda será de R$ 28,37 ao mês, ou R$ 340,44 de prejuízo anual do beneficiário. Tem passado despercebido, mas vai corroendo o poder de compra dos menos favorecidos. A prometida picanha não veio e ainda retiraram da mesa dos trabalhadores vários quilos de arroz e feijão. Quanta maldade!. Tudo pra manter intocados os privilégios e penduricalhos dos donatários modernos que lembram as capitanias hereditárias do século XXI.
Neste ano de 2025, o governo federal, com essa alteração da fórmula de cálculo do aumento real do salário-mínimo, estará retirando do bolso de 27 milhões de aposentados e pensionistas o montante de R$ 4,52 bilhões. Em 2026, esse número chegará a R$ 9,96 bilhões. E os 4,7 milhões de beneficiários do BPC perderão R$ 730 milhões em 2025 e R$ 1,61 bilhão em 2026. De igual forma, a não correção do Bolsa-Família pelo índice inflacionário levará seus 21 milhões de beneficiários a perderem R$ 40,00/mês por família, garantindo para o governo uma economia de R$ 10,08 bilhões em 2025. Isso tudo sem falar no dano causado aos mais de 35 milhões de brasileiros trabalhadores do setor privado, que têm remuneracão de um salário-mínimo e também perderão R$ 12,88/mês em 2025, e R$ 28,37 ao mês em 2026. Para viabilizar a economia e cumprir o arcabouço fiscal, o governo ainda prejudicará e reduzirá os vencimentos de 35 milhões de brasileiros do setor privado.
Esse pacote de maldades retira de quem nada tem para economizar R$ 13 bilhões em 2025. Em 2026 o valor será menor - R$ 11,26 bilhões - pois, como é prática no Brasil, o Bolsa-Família será reajustado em ano eleitoral. Some-se a isso os já citados R$ 40 bilhões resultantes do malfadado IOF, e o governo terá reserva de mais de R$ 50 bilhões para o ano eleitoral.
Tudo isso quando o país tem à disposição um instrumento para fazer justiça fiscal através de projeto de lei que desde 2023 aguarda liberação da relatoria da Comissão de Finanças e Tributação. O PL 3.203/2021 impõe a redução dos Gastos Tributários da União, que hoje montam 4,87% do PIB, para, no máximo, 2,00% do PIB ao final de 8 anos, com um redução mínima equivalente a 0,48% do PIB já no primeiro ano. Isso significaria que o governo poderia dispor de aproximadamente R$ 57 bilhões logo no ano seguinte à vigência da lei. Esse montante seria superior a toda a economia gerada pelas medidas prejudiciais a quem ganha salário-mínimo ou é beneficário do Bolsa-Família e do BPC, e ainda, dispensando o iníquo aumento do IOF.
Dinheiro existe e há opções disponíveis, porém ao governo parece mais fácil tirar de quem nada tem, nem mesmo força física pra protestar: os idosos, aposentados e pensionistas que já deram sua contribuição ao país.
Crueldade pior só o roubo do INSS, esquema de descontos irregulares de milhares de aposentados e pensionistas, recentemente descoberto, que pode chegar a R$ 6,2 bilhões, valor superior ao do escândalo do Mensalão, um marco da corrupção nacional. Ao tratar dessa fraude gigantesca, o governo morde e assopra. Assegura que todos os lesados serão reembolsados, mas trabalha para impedir a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito no Congresso, criando dessa forma enorme obstáculo para a investigação do caso e a punição dos responsáveis.
Diante da triste realidade nacional, vale lembrar um pensamento do filósofo grego Platão: “O castigo dos bons que não gostam de política é ser governado pelos maus”. Não há dúvidas de que o Brasil seria um país muito melhor se os governantes seguissem o que prega o velho Testamento: “Prometer pouco e cumprir muito”. Sempre gosto de lembrar do dito popular preferido de meu pai : “o mentiroso é um ladrão; o ladrão da verdade”.
E assim, com a sistemática renovação de promessas que jamais serão cumpridas, vão sendo roubadas as esperanças do povo brasileiro.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br